Caio Porfírio Carneiro

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O Anel

Conto de Caio Porfírio Carneiro

Não conseguia expor bem o tema, que pedia detalhes seguidos, porque ela, sentada lá no meio do público, fazia-lhe sinais continuados. Irritava-se e os membros da mesa pediam silêncio e atenção.
Palestra terminada, quis saber quem era aquela moça jovem, bonita, que o atrapalhava. Ela, porém, se antecipou. Subiu os poucos degraus, postou-se diante da mesa:
- Preciso falar com o senhor.
Todos curiosos. E ele se mostrou aborrecido:
- Quem é você?
- O senhor não sabe quem sou eu. Mas eu sei quem é de fato o senhor.
Encarou-a, levantou-se:
- Fale baixo. O que você quer?
- Quero lhe dizer só duas palavras e lhe dar um presente.
- Presente? Depois.
- Agora. É rapidinho. Pode ser ali no canto.
O silêncio e a curiosidade aumentavam entre os assistentes próximos. O público procurava se aproximar para cumprimentá-lo.
Ele resolveu-se, contrariado:
- Com este povo todo... Está bem. Um minuto só.
Dirigiram-se para perto do cortinato, atrás da mesa. Suspirou:
- E então, moça, o que deseja?
- O senhor conheceu, anos atrás, uma moça e lhe deu de presente um anel, lembra-se?
- Faz tempo.
- O senhor a engravidou e desapareceu, não foi?
- Como é?
Ela mostrou-lhe o anel:
- Antes de morrer ela me deu o anel de presente. Até mandou lhe avisar que estava muito doente e o senhor nem sinal. Pois está aqui o anel. Está reconhecendo? Vim devolvê-lo. Sou filha dela. Filha daquela gravidez.
Ele gaguejava:
- Quer dizer... quer dizer...
- O senhor sabe o que quer dizer.
Jogou no bolso dele o anel:
- Dê de presente a outra moça. O senhor ainda tem idade para recebê-lo de volta anos depois. Parabéns pela palestra. O senhor é muito famoso.
Ele tentou segurá-la:
- Volte aqui.
Ela se foi apressada e perdeu-se no meio do povo que ainda procurava cortejá-lo.
Ele voltou à mesa e sentou-se calado. Uma voz sussurrou-lhe:
- O que ela lhe disse? Está sentindo alguma coisa?
Ele suspirou, dedos tamborilando de leve na mesa. A outra mão, fria, acariciava o anel no bolso. A voz insistiu:
Está indisposto?
- Não, não. Quero só um copo d’água.


SP., 22/05/2009.Ribeirão Preto – Hotel Stream – às 7:40 da manhã.

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